A notificação de uma dívida em atraso pode gerar uma grande preocupação, e com ela, uma dúvida que assombra muitos brasileiros: será que o banco pode tomar bens para quitar o débito?
A imagem de perder a casa, o carro ou outros pertences conquistados com tanto esforço é assustadora e, muitas vezes, paralisante. A falta de informação clara sobre o assunto alimenta mitos e aumenta a ansiedade de quem se encontra em uma situação de vulnerabilidade financeira.
Este guia completo foi criado para desmistificar esse processo. Aqui, vamos explicar de forma clara e objetiva como funciona a cobrança judicial de dívidas no Brasil, quais são os seus direitos como devedor e, mais importante, quais bens são protegidos por lei.
O objetivo não é apenas responder à pergunta central, mas fornecer um caminho prático para que você possa lidar com dívidas de forma consciente, proteger seu patrimônio e retomar o controle da sua vida financeira. Entender o processo é o primeiro passo para se defender dele.
A Jornada da Dívida: Do Atraso à Ação Judicial
Antes de mais nada, é crucial entender que a tomada de bens por um banco não é um processo automático nem imediato.
Ele não acontece da noite para o dia, assim que uma parcela do financiamento atrasa. Existe um longo caminho legal que precisa ser percorrido, e o devedor tem diversas oportunidades de defesa e negociação ao longo dele.
A jornada geralmente segue estas etapas:
- Cobrança Amigável (Extrajudicial): Esta é a primeira fase. O banco ou uma empresa de cobrança contratada por ele entrará em contato por telefone, e-mail, SMS ou cartas. O objetivo é negociar o pagamento da dívida de forma amigável, oferecendo descontos, parcelamentos e outras condições facilitadas. Nesta fase, não há qualquer risco de perda de bens.
- Negativação do Nome: Caso a negociação amigável não tenha sucesso, um dos primeiros passos mais sérios que o credor toma é incluir o nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito, como Serasa e SPC Brasil. Isso dificulta a obtenção de novos créditos, financiamentos e até a abertura de contas.
- Cobrança Judicial (Ação de Execução): Apenas quando todas as tentativas de cobrança amigável falham, o banco pode optar por levar a questão à Justiça. É somente neste ponto que a possibilidade de penhora de bens se torna real. O banco entra com uma “Ação de Execução de Título Extrajudicial” (como um contrato de financiamento assinado) para que o Poder Judiciário force o pagamento da dívida.
O Processo de Execução Judicial: Como Funciona na Prática?
Quando um banco decide processar um devedor, um rito processual específico é seguido. Conhecê-lo é fundamental para não ser pego de surpresa.
- 1. Ajuizamento da Ação: O banco, através de seus advogados, protocola uma ação na Justiça, apresentando o contrato e o demonstrativo do débito.
- 2. Citação do Devedor: O juiz analisa o pedido e, se estiver tudo correto, manda “citar” o devedor. A citação é a notificação oficial de que existe um processo contra você. Geralmente, é entregue por um oficial de justiça no seu endereço.
- 3. Prazo para Pagamento ou Defesa: A partir do momento em que é citado, o devedor tem um prazo legal (geralmente 3 dias úteis) para pagar a dívida integralmente. Se não o fizer, começa a correr o prazo (geralmente 15 dias úteis) para apresentar sua defesa, chamada de “embargos à execução”. É neste momento que se deve contratar um advogado para contestar valores, juros ou qualquer irregularidade no contrato.
- 4. Penhora de Bens: Se o pagamento não for feito e a defesa não for apresentada ou for julgada improcedente, o juiz pode determinar a penhora de bens. A penhora é o ato de “reservar” um bem do devedor para garantir o pagamento da dívida. Primeiro, tenta-se a penhora de dinheiro em contas bancárias (a chamada “penhora online” ou “teimosinha”). Se não houver saldo suficiente, parte-se para outros bens, como veículos e imóveis.
- 5. Avaliação e Leilão: O bem penhorado é avaliado por um perito judicial para definir seu valor de mercado. Em seguida, ele é levado a leilão público. O valor arrecadado no leilão é usado para pagar o banco, os custos do processo e, se sobrar algo, o valor é devolvido ao devedor.
Afinal, o banco pode tomar bens? Conheça os Bens Impenhoráveis
Agora, chegamos à questão central. A resposta é sim, o banco pode solicitar à Justiça a penhora de bens para quitar uma dívida, mas com ressalvas gigantescas. A legislação brasileira, visando proteger a dignidade humana, estabelece uma lista de bens que são considerados “impenhoráveis”, ou seja, que não podem ser tomados para pagar a maioria das dívidas.
Conhecer essa lista é o seu maior trunfo. De acordo com o artigo 833 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) e a Lei nº 8.009/90, os seguintes bens são, em regra, impenhoráveis:
- O Bem de Família: O único imóvel utilizado pela família para moradia permanente. Mesmo que seja um imóvel de alto valor, ele é protegido.
- Atenção às exceções: Essa proteção não se aplica se a dívida for do próprio financiamento do imóvel, de taxas de condomínio, de IPTU ou se o imóvel foi dado como garantia hipotecária em outro empréstimo.
- Salários, Aposentadorias e Pensões: Verbas de natureza alimentar são, em geral, impenhoráveis.
- Atenção às exceções: A Justiça tem permitido, em alguns casos, a penhora de um percentual (geralmente até 30%) de salários e aposentadorias para pagar dívidas não alimentares, desde que não comprometa a subsistência do devedor e sua família. Para dívidas de pensão alimentícia, essa regra não se aplica.
- Valores em Caderneta de Poupança: A quantia de até 40 salários mínimos depositada em poupança (ou em outras aplicações, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ) é impenhorável.
- Móveis e Utensílios Domésticos: Os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do devedor, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida. Um sofá comum é impenhorável; uma obra de arte valiosíssima, não.
- Ferramentas de Trabalho: Os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do devedor.
- Seguro de Vida: O valor recebido de seguro de vida não pode ser penhorado.
- Vestuário e Pertences de Uso Pessoal: Roupas, sapatos e outros itens de uso pessoal do devedor e de sua família.
Guia Prático: Como Agir para Evitar a Perda de Bens
Saber que a lei protege parte do seu patrimônio é um alívio, mas a melhor estratégia é sempre a proatividade. A omissão é a pior inimiga de quem está endividado.
- Não Ignore as Cobranças: O pior erro é fingir que o problema não existe. Ignorar as ligações e as cartas apenas acelera a transição da cobrança amigável para a judicial. Atenda, ouça a proposta e seja transparente sobre sua situação.
- Busque a Renegociação Imediatamente: Assim que perceber que não conseguirá arcar com uma dívida, entre em contato com o banco. A maioria das instituições financeiras prefere renegociar um débito a ter que arcar com os custos de um processo judicial. Participe de feirões “Limpa Nome” e utilize as plataformas digitais de negociação.
- Conheça a Lei do Superendividamento: A Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, é uma ferramenta poderosa para o consumidor.
Ela permite que a pessoa física “superendividada” (aquela que, de boa-fé, não consegue pagar todas as suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial) possa pedir na Justiça um plano de pagamento especial.
Esse plano pode envolver prazos mais longos e condições mais favoráveis, reunindo todos os credores para uma repactuação global.
- Procure Ajuda Especializada: Se a situação se complicar ou se você receber uma notificação judicial, não hesite em procurar ajuda.
- Advogado: Um advogado especialista em direito do consumidor ou direito bancário pode analisar seus contratos em busca de cláusulas abusivas e representá-lo no processo judicial.
- PROCON: O órgão de defesa do consumidor de sua cidade pode mediar a negociação com o banco e oferecer orientação gratuita.
Conclusão: Informação é a Melhor Defesa
Retomando a pergunta inicial: o banco pode tomar bens por dívida? A resposta é sim, mas esse “sim” vem acompanhado de um processo judicial complexo, prazos para defesa e uma lista de bens essenciais protegidos por lei para garantir a sua dignidade.
A perda de patrimônio é o último recurso da Justiça, não o primeiro.
A chave para navegar por essa situação desafiadora não é o medo, mas a informação e a ação. Entender que você tem direitos, que existem bens impenhoráveis como a sua casa (bem de família) e parte de seus rendimentos, e que há caminhos como a renegociação e a Lei do Superendividamento, muda a perspectiva do problema.
Em vez de se sentir uma vítima passiva, você se torna um agente ativo na busca por uma solução. Não espere a situação se agravar. Organize suas finanças, dialogue com seus credores e, se necessário, busque orientação jurídica para proteger o que é seu por direito.