No universo dinâmico e por vezes volátil das criptomoedas, as stablecoins emergem como uma ponte crucial entre o sistema financeiro tradicional e a inovação dos ativos digitais.
Para o público brasileiro, que busca simultaneamente proteção contra a instabilidade econômica e novas fronteiras de investimento, compreender o que são stablecoins tornou-se uma necessidade fundamental.
Este guia completo se propõe a desmistificar essa classe de ativos, detalhando seu funcionamento, os diferentes tipos existentes e, mais importante, como elas estão sendo efetivamente utilizadas no Brasil.
A popularidade das criptomoedas no Brasil é um fenômeno inegável. Milhões de brasileiros já se aventuraram no mercado de ativos digitais, seja como investidores, usuários de novos meios de pagamento ou como forma de proteger seu patrimônio.
Contudo, a acentuada volatilidade de criptoativos como o Bitcoin e o Ethereum ainda representa uma barreira para muitos.
É precisamente neste ponto que as stablecoins ganham relevância, oferecendo o melhor de dois mundos: a estabilidade de moedas fiduciárias aliada à tecnologia, agilidade e alcance global das criptomoedas.
Este artigo servirá como um roteiro detalhado, abordando desde os conceitos mais básicos sobre as stablecoins e os mecanismos que garantem sua paridade, até uma análise aprofundada do panorama regulatório brasileiro e das aplicações práticas que já impactam o dia a dia dos brasileiros.
Desvendando o Conceito: O que são stablecoins e Como Funcionam?
As stablecoins são uma categoria de criptomoedas cujo principal objetivo é minimizar a volatilidade de preço.
Diferentemente de outras criptomoedas que podem experimentar flutuações de valor abruptas e significativas, as stablecoins são projetadas para manter uma paridade com um ativo de referência estável.
Na maioria dos casos, este ativo é uma moeda fiduciária forte, como o dólar americano (USD) ou o euro (EUR), buscando uma relação de 1 para 1.
A manutenção dessa estabilidade é alcançada por meio de distintos mecanismos de colateralização.
A compreensão desses modelos é vital para qualquer pessoa que deseje avaliar a segurança e a confiabilidade de uma determinada stablecoin antes de utilizá-la.
Os Pilares da Estabilidade: Tipos de Stablecoins
Existem quatro modelos principais de stablecoins, cada um empregando uma abordagem diferente para garantir a estabilidade de seu valor de face:
- Stablecoins com Lastro em Moeda Fiduciária (Fiat-Collateralized): Este é o tipo mais comum e intuitivo. Para cada token de stablecoin emitido, uma unidade equivalente da moeda fiduciária correspondente é mantida em reserva por uma entidade centralizada, como um banco ou uma empresa de custódia. Exemplos proeminentes incluem o Tether (USDT) e o USD Coin (USDC). A confiança neste modelo depende diretamente da transparência e da realização de auditorias regulares que comprovem a existência e a suficiência dessas reservas.
- Stablecoins com Lastro em Criptomoedas (Crypto-Collateralized): Neste modelo, a estabilidade é garantida por um colateral composto por outras criptomoedas. Para compensar a volatilidade do ativo de garantia, essas stablecoins são tipicamente sobrecolateralizadas. Isso significa que o valor dos criptoativos mantidos em reserva é superior ao valor total das stablecoins emitidas. A DAI, gerida pela organização autônoma descentralizada MakerDAO, é o exemplo mais conhecido, utilizando Ethereum e outros criptoativos como garantia.
- Stablecoins com Lastro em Commodities (Commodity-Collateralized): De forma análoga às stablecoins com lastro fiduciário, estas são atreladas ao valor de commodities físicas, com o ouro sendo o exemplo mais comum. Cada token representa a posse de uma determinada quantidade da commodity, que é mantida em cofres seguros e auditados. O Pax Gold (PAXG), onde cada token é lastreado por uma onça troy de ouro, é um exemplo notável.
- Stablecoins Algorítmicas: Este é o tipo mais complexo e que carrega maiores riscos. Elas não são lastreadas por nenhum ativo físico ou digital, mas utilizam algoritmos e contratos inteligentes (smart contracts) para gerenciar a oferta de tokens no mercado. O objetivo é ajustar dinamicamente a quantidade de moedas em circulação para manter a paridade com o ativo de referência. O colapso da stablecoin UST e do ecossistema Terra (LUNA) em 2022 serve como um forte alerta sobre os riscos inerentes a este modelo.
A Aplicação das Stablecoins no Cenário Brasileiro
A adoção de criptomoedas no Brasil é uma das mais avançadas do mundo. Segundo dados da Chainalysis, o Brasil recebeu um volume estimado de $90.3 bilhões de dólares em criptomoedas em 2024, posicionando-se como um líder regional na América Latina.
O que realmente marca o progresso do país, no entanto, é o domínio das stablecoins. Cerca de 59.8% de toda a atividade cripto no Brasil envolve stablecoins, um número bem acima da média global de 44.7%. Esse ímpeto continua a crescer.
Em fevereiro de 2025, o presidente do Banco Central do Brasil destacou que 90% dos fluxos de criptoativos no país estão ligados a stablecoins. Mas o que impulsiona essa demanda? A resposta está na combinação da inovação local com necessidades financeiras claras.
Os brasileiros tiveram uma experiência extremamente positiva desde 2020 com o Pix, o sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central que resolveu muitos problemas do ecossistema doméstico. Contudo, o Pix não foi projetado para pagamentos internacionais, deixando uma lacuna significativa.
Não é surpresa, portanto, que os brasileiros estejam recorrendo às stablecoins para solucionar os desafios que ainda enfrentam na movimentação de dinheiro transfronteiriça. As principais utilidades das stablecoins no Brasil hoje incluem:
Dolarização e Proteção Patrimonial: Em um país com histórico de inflação, as stablecoins atreladas ao dólar são uma ferramenta acessível para proteger o poder de compra sem a burocracia de contas no exterior.
Remessas Internacionais: Oferecem uma solução mais rápida e barata para enviar e receber dinheiro do exterior, beneficiando freelancers, empresas e famílias.
Acesso a Finanças Descentralizadas (DeFi): São a porta de entrada para um ecossistema global de empréstimos, rendimentos e outros serviços financeiros inovadores. ### Inovação na Prática: Fintechs e Exchanges Lideram o Caminho Atualmente, são as fintechs e as exchanges que estão na vanguarda da inovação com stablecoins no Brasil, pois é onde a regulamentação é mais clara e permissiva. Um exemplo notável é o BRL1, uma stablecoin atrelada ao real brasileiro. Lançada por um consórcio entre Mercado Bitcoin, Foxbit e Bitso, e com a tecnologia da Fireblocks, a BRL1 é lastreada pela moeda brasileira e por títulos do governo.
Com ela, compras e vendas entre exchanges podem ser feitas diretamente, agilizando a liquidez no mercado doméstico. O consórcio já negocia com exchanges globais para listar a stablecoin, buscando estender os benefícios da liquidação transfronteiriça em tempo real para usuários de varejo e corporativos, como exportadores e empresas de e-commerce.
Outro exemplo é a Nonco, que busca revolucionar o mercado de câmbio (FX) com um protocolo on-chain. Utilizando contratos inteligentes e swaps atômicos, a plataforma automatiza o ciclo de vida das negociações de câmbio, convertendo moedas locais e stablecoins lastreadas em dólar de forma eficiente.
A Regulamentação e o Cenário Fiscal no Brasil O ambiente regulatório para criptoativos no Brasil está em pleno amadurecimento. A Lei nº 14.478/2022 (Marco Legal das Criptomoedas) e a designação do Banco Central como regulador foram passos cruciais.
Em novembro de 2024, o Banco Central do Brasil demonstrou seu profundo interesse no tema ao lançar três consultas públicas sobre a regulação de ativos virtuais.
O interesse foi tão grande que foi necessário adicionar uma reunião de consulta extra apenas para stablecoins. O potencial máximo das stablecoins para os setores B2B e corporativo no Brasil será liberado quando a clareza regulatória for alcançada.
A indústria espera que futuras orientações permitam que finanças tradicionais, provedores de pagamento e intermediários de ativos digitais explorem as forças únicas das stablecoins para transações internacionais, oferecendo métodos de pagamento mais rápidos, eficientes e econômicos para as empresas brasileiras.
Do ponto de vista fiscal, a posse e as transações de stablecoins devem seguir as normas da Receita Federal, incluindo a declaração de operações mensais acima de R$ 30.000,00 e a inclusão dos ativos na Declaração Anual do Imposto de Renda.
Conclusão
Em suma, as stablecoins representam uma das inovações mais importantes no mercado de ativos digitais.
Para o público brasileiro, elas se consolidaram como uma ferramenta versátil para a preservação de patrimônio, otimização de transações e acesso a um sistema financeiro global. Compreender o que são stablecoins é o passo inicial e indispensável para quem deseja navegar com confiança e aproveitar as oportunidades desta nova economia digital.
Contudo, é essencial que os usuários ajam com prudência, realizem suas próprias pesquisas e compreendam os riscos.
Com a devida diligência e uma estratégia bem informada, as stablecoins podem, sem dúvida, constituir um componente valioso no portfólio e na vida financeira dos brasileiros, que se posicionam na vanguarda da transformação digital financeira global.